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Trupe Perambula. Crédito da foto: Luís Carlos Kriewall Filho

O sino dos ventos, pendurado no portão, anuncia a chegada de alguém. Na morada, no fim da rua Desembargador Pedro Silva, no bairro Victor Konder, em Blumenau, as ervas aromáticas, as árvores de frutas e flores ao redor da casa prenunciam que ali há um lar. Os penduricalhos artísticos, dispostos no jardim, revelam que a família que ali habita é criativa. Na chegada, mesa farta. Cuca de banana, salada de tomate, ovo mexido, tapioca, pão, café fresco e amor. A alegria com que os moradores da casa conversam e ao mesmo tempo “tiram onda” um do outro desperta interesse. Na mesa: Ana Acácia Schwarz Schuler, 25 anos, atriz; Fernanda Raupp, 25 anos, atriz e cantora; Natele Petersen, 22 anos, artesã; Jão Nogueira, 21 anos, dançarino e ator e Sidney Dietrich, 25 anos, ator. Com exceção de Fernanda, que nasceu em Sombrio (SC), os demais moradores da casa são de Blumenau e todos eles atuam como produtores culturais.Os cinco integrantes moram juntos há alguns anos. Segundo Fernanda, a ideia de morar em coletivo surgiu com a necessidade de se ter um espaço para os ensaios da Trupe Perambula (grupo de teatro e de ações culturais da qual os cinco fazem parte) e que conforme foi passando o tempo houve a necessidade de se ter um lugar maior. “Aqui é o espaço da Trupe Perambula, as pessoas vão e as pessoas vêm. Recebemos artistas de outros locais do País e de fora também. Outras pessoas moraram conosco. Mas esse grupo de pessoas agora, no caso, nós cinco, moramos juntos nesta casa há três anos”, afirma a atriz.

Morar em coletivo, segundo os integrantes da casa, é pensar em coletivo, é aprender a dividir, a compartilhar. “Ao mesmo tempo em que às vezes é difícil morar junto, eu fico pensando que não trocaria essa experiência por nada. Por exemplo, quando estou doente todo mundo me ajuda. Um se oferece para fazer o chá, outro a comida e outro o carinho. Por mais que eu tenha isso na casa dos meus pais, não é a mesma coisa. Ah! A gente teve uma ideia, todo mundo vai se ajudar e amanhã essa ideia vai estar pronta. Ah, vamos fazer um café da manhã no jardim e acordar todos para tomarmos café juntos e contemplar o sol da manhã. Há uma felicidade escondida, ou melhor, descoberta, nessas pequenas situações do cotidiano”, diz Ana Acácia.

Uma vez por semana o grupo faz reunião de produção (da Trupe Perambula) e de quinze em quinze dias reuniões sobre a manutenção da casa (lista de limpeza, quem ficará responsável pelo quê), ou simplesmente para colocar a conversa em dia. Os perfis de cada um se complementam, conforme Fernanda, um é bom para uma determinada situação e o outro resolve com maior facilidade outra. “A gente acordou que o coletivo está em primeiro lugar. Sinto que todos querem se tornar pessoas melhores, é algo sobre evoluir como pessoa, como grupo, e todos estão na mesma sintonia em relação a isso”, acrescenta.

Os cinco artistas se dividem na lista de tarefas, mas nada é absoluto. “Quando a gente vê que um de nós está muito atarefado a gente substitui ele nas tarefas domésticas”, diz Ana Acácia.

“A nossa relação é de quase uma família de sangue, a gente pode se xingar, porque às vezes está todo mundo na loucura, por conta do trabalho, mas logo se perdoa ou dá um jeito de se abraçar, fazer rir, porque no fundo a gente se respeita muito. Existe amor, sabe”, complementa o dançarino Jão.

Ao mesmo tempo em que estão rindo, cutucando, eles discutem muito. Há um espírito crítico saudável entre o grupo. “Todo dia há algum tipo de discussão”, comenta Natele. Ela diz que gosta da conversa olho no olho (e todos caem na risada). “Eu e o Jão, por exemplo, a gente se olha no olho e conversa, é isso é aquilo, e ponto. Estamos, às vezes, tão afinados que nem discutimos, nós nos olhamos e pronto. Porque com o tempo aprendemos a conversar pelo olhar”, reflete Natele.

“A gente resolve muito rápido as brigas, porque a gente conversa, dialoga. Não existe meia briga, a gente vai até o fim, porque sabe que isso é necessário para o bom relacionamento de todos”, enfatiza Sidney.

Cada integrante do coletivo morava com os pais, mas passavam tanto tempo juntos que resolveram morar na mesma casa, no mesmo espaço. O imóvel é alugado e todas as mudanças físicas do local são sempre bem conversadas com a senhora Ruht Ertle, dona da casa. Com o tempo o ambiente foi se remodelando de acordo com a personalidade de cada um. Cada quarto, cada canto, possui a identidade individual dos moradores, mas, quando observado de longe, percebe-se que os gostos, os estilos se fundem e confundem, como se fossem um só. O gato Malabares, amigo de estimação do coletivo, observa toda a movimentação e recebe afagos generosos enquanto eles conversam, entram e saem da morada.

“A relação com os nossos pais é muito boa. As mães de todos vêm aqui. Elas ajudam muito a gente. Em cada evento todas pegam junto. O pai do Sidney, por exemplo, o senhor Edmundo, é quem conserta tudo aqui em casa. É o nosso anjo”, diz Jão.

O coletivo resolveu em uma das reuniões elaborar festas alternativas, sarais, cinema em casa, e angariar fundos para ajudar nas despesas da casa e da Trupe também. “Nós pensamos que é importante tomar o café da manhã juntos, que é importante construirmos algo juntos. Se autogerir. A nossa casa, nossa relação, e os nossos eventos, são tudo em função do coletivo, mas sabemos que para o coletivo funcionar eu como pessoa, cada um de nós precisa estar bem também”, divaga Fernanda.

O gosto musical, literário ou de alimento não interfere na relação, ao contrário, agrega conhecimento e novas experiências. “O que é muito forte no coletivo é esse sentimento de se doar e de aprender a receber. Há sempre uma evolução”, completa Ana Acácia.

Com os eventos, com os afazeres de cada um e com o pensamento coletivo eles gostariam de ampliar o espaço de trabalho. Gostariam de morar juntos para toda a vida. Sentem-se completos e divertidos, pois sabem que criaram um alicerce e têm a plena noção de que estão em evolução, em mutação. Que escolheram um modo de vida diferente. Que estão aprendendo a se autogerir. Que se precisar podem partir a qualquer hora, mas que no momento a vontade é de ficar e de construir algo juntos. Comprar um terreno, uma casa, uma caixa preta para ensaios, poder trabalhar somente com a arte, poder tomar café da manhã todo dia juntos e vibrar com sino do portão quando ele anuncia a chegada de novas pessoas e de boas energias.

 

Entre sinos e pensamento coletivo
Por Nane Pereira
Crédito da foto: Luís Carlos Kriewall Filho
Fonte: Matéria REVISTA VALEU  Agosto/2015

 

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